sexta-feira, 2 de abril de 2010

A atividade portuária no desenvolvimento econômico das Pequenas e Médias Cidades Brasileiras: o caso do município de Candeias-BA




“A época das cidades livres, com a sua cultura amplamente difusa e seus modos relativamente democráticos de associação, cedeu lugar à era das cidades absolutas: alguns centros que cresceram desordenadamente, deixando às demais cidades o direito de aceitar a estagnação ou de se iludir em gestos desesperados de subserviente imitação” (LEWIS MUMFORD)
Autor: Leandro Oliveira Carneiro[1]
Resumo
Durante grande parte dos estudos voltados para o processo de urbanização no mundo e principalmente no Brasil, as cidades pequenas e médias foram relegadas a um papel oculto sobre a sua importância para questão urbana e para o desenvolvimento econômico local e regional.
Porém, é preciso tratar de que forma a urbanização e o surgimento dessas cidades frente as grandes metrópoles do mundo e nacionais se apresentam. Partindo disso, este ensaio busca compreender algumas dessas questões e enfatizando, na busca das questões do desenvolvimento econômico das pequenas e médias cidades, como a atividade portuária se insere nesse contexto em uma cidade de menor porte. Como é possível identificar esse tipo de atividade econômica que transforma o local em global, dadas as dimensões da sua natureza, frente as possibilidades de inserção do município em um novo momento de busca sobre o papel das pequenas e médias cidades brasileiras?
Palavras-Chaves: Desenvolvimento Econômico, Portos, Urbanização, Cidades e Capitalismo.


1.                  Introdução
Em uma economia globalizada, é provável que as atividades portuárias, cuja existência e magnitude já despontavam durante a Idade Média para além das nações, seja um dos ramos, das inúmeras formas capitalistas de atuação através do comércio, com presença mundial.
Suas ramificações ligando as mais diferentes nações e por conseqüência, realizando maciças trocas de mercadorias, fazem a conjuntura do local visível para o global. Dessa forma, não poderia deixar de afirmar que nesse contexto, o município do ponto de vista da sua localização geográfica e que possua nos seus domínios territoriais portos organizados ou privados, talvez se insiram globalmente e economicamente a essa rede transnacional.
Essa condição ganha contornos interessantes quando o município é considerado de pequeno ou médio porte, já que as discussões sobre o desenvolvimento e o papel para localidades dessa escala sempre foram bastante irrelevantes no Brasil.
Para analisarmos essa questão, tomamos como exemplo o município de Candeias-BA. Distante cerca de 46 quilômetros da capital do Estado da Bahia, e inserida na Região Metropolitana de Salvador, Candeias possui relevantes aspectos que unem sua escala territorial e populacional (classificando-a dessa forma como uma cidade de pequeno porte) e a atividade portuária de conexões globais em seu litoral.
Este texto tem como objetivo a construção de um ensaio para as questões que tratam do desenvolvimento econômico, o papel relevante assumido pelas cidades de pequeno e médio porte, a atividade portuária, os benefícios e as contradições que podem suscitar novos questionamentos ao abordarmos a conjuntura do tema escolhido.

2.                  PEQUENAS E MÉDIAS CIDADES: breve arcabouço teórico
2.1 O Surgimento das Cidades e Suas Funções
Durante muito tempo, as discussões sobre o urbano e o papel das cidades estavam notadamente centralizadas nas grandes metrópoles. Tal argumentação corrobora o papel importante que hoje algumas dessas cidades exercem não mais a nível regional, mas em envergadura mundial. Nova Iorque, Tóquio, São Paulo, Londres, entre outras metrópoles definitivamente estão fora de um contexto meramente local.
Independente do seu tamanho, o nascimento das cidades é, antes de qualquer coisa, um processo de organização multicultural e social, como afirma MUMFORD (2008, págs. 35-36):
O que principalmente aconteceu com a ascensão das cidades foi que muitas funções, que haviam até ali sido dispersas e desorganizadas, ajuntaram-se dentro de uma área limitada, e os componentes da comunidade foram mantidos num estado de tensão e interação dinâmica (...) A cidade se revelou não simplesmente um meio de expressar em termos concretos a ampliação do poder sagrado e secular, mas de um modo que passou muito além de qualquer invenção consciente, ampliou também todas as dimensões da vida.

A reflexão que se faz sobre as cidades é por conseqüência, uma reflexão de uma série de práticas sociais e espaciais e como esses espaços traçam as vidas cotidianas. Ou como nos afirma CARLOS (1995, p. 7), “A cidade, considerada uma construção urbana, é um produto histórico-social”. Talvez, além disso, as origens das cidades confundam-se com a própria formação dos Estados.
A organização de pessoas antes em comunidades dispersas é concretizada historicamente pelas necessidades de trocas entre as diferentes esferas sociais e pela construção das funções que esse tecido urbano começa a ser construído, fortalecendo de maneira gradual a sua importância econômica e capital.
A essa organização, por assim dizer, comunitária de características peculiares que a distinguem dos meios rurais (que também receberam funções históricas), chama-se de urbanização. É preciso articular que a urbanização está intimamente relacionada ao desenvolvimento do capital, pois o seu surgimento está no bojo das apropriações do território, social e tecnológico, e principalmente no usufruto dos recursos naturais.
Ao observarmos o surgimento das cidades, uma série de mudanças nos fundamentos das sociedades são constatadas. Isso porque durante grande parte das civilizações, a presença da cidade foi “antes de tudo, um armazém, uma estufa e um acumulador. Foi por dominar essas funções que a cidade serviu à sua função última, a função transformadora.” (MUMFORD, 2008, p. 116). Se a sociedade e seu funcionamento por si só é uma fonte de acumulação dentro dos seus processos que a conduzem dinamicamente, é a cidade, portanto, a fonte maior ou essencial de toda essa cadeia.
Com base nisso, a Revolução Industrial gestada pela burguesia e sinergicamente implantada com base na dualidade urbana e rural em meados do século XIX na Europa cria (ou mesmo recria) o processo urbano. As novas transformações do capitalismo dão novas forças a esse processo de acumulação com o destaque de uma economia fabril, gerando um contingente populacional excessivo para as cidades e de maneira irreversível, transformações profundas no território onde as mesmas se localizam.
A esse quadro, soma-se a utilização de novos mecanismos de produção, das redes que precisam funcionar entre campo-cidade para o abastecimento dessas condições acumulativas do capital, a tecnologia e principalmente, uma forte divisão social do trabalho.
Nas antigas comunidades, o próprio trabalho é uma atividade de tempo parcial, impossível de segregar completamente das outras funções da vida, como a religião, o jogo, o intercurso comunal, a própria sexualidade. Na cidade, o trabalho especializado passou, pela primeira vez, a ser uma ocupação de todos os dias, durante o ano inteiro. Em conseqüência, o trabalhador especializado, passando a ter a mão, ou o braço ou a visão muito ampliada, ganhou excelência e eficiência, num grau impossível de alcançar, exceto por meio de tal especialização; perdeu, porém, o alcance da vida como um todo (IDEM, 2008, p.124)

Ao se caracterizar pela acumulação, a cidade determina novas categorias de concentração e a todo o momento reinventa modalidades de exploração, onde no caso das cidades, citamos também PEDRÃO (2005, pág. 10), onde ele afirma que “o nível geral da acumulação de capital integra atividades com diversas concentrações de capital, portanto, que dependem de combinações que dependem do desenvolvimento industrial e da capacidade de usar produtos da indústria.”.
A esses fatores, as grandes cidades são então pontos dispersos, mas conectados mundialmente, de alto grau de acumulação e que assumiram pela sua importância central ou macro-regional, papel relevante na sustentação econômica, técnica e informacional. Os nós as quais as grandes cidades estão relacionadas recriam diversas hierarquias, suscitando o que Walter Christaller denominou de Teoria de Lugares Centrais.[2]
As concentrações tecnológicas e capitalistas nesse processo de urbanização de algumas cidades possibilitam o surgimento e estabelecimento de megacidades, denominadas por CASTELLS (1999). Algumas estão atuantes há vários séculos (Londres, Paris), outras surgiram e ganharam mais forças principalmente no século XIX (Nova Iorque, Moscou) e novas cidades estão desequilibrando a importância central atraindo para o eixo periférico força política e econômica (Xangai).
Essas megacidades do mundo globalizado articulam, ligam diversas redes culturais, políticas e sociais. Entretanto, segundo CASTELLS (1999, p.429):
As megacidades concentram o melhor e o pior – dos inovadores e das diferentes formas de poder a pessoas não importantes para a estrutura, prontas a vender sua irrelevância ou fazer que “os outros” paguem por ela. No entanto, o que é mais significativo sobre as megacidades é que elas estão conectadas externamente a redes globais e a segmentos de seus países, embora internamente desconectadas das populações locais responsáveis por funções desnecessárias ou pela ruptura social.

Dentro das suas constituições de papel de acumulação, as urbanizações que construíram nas cidades, os pólos de um mundo altamente dinâmico, mas com fragilidades sociais, percorrem horizontes contraditórios. Se uma vez na história, as cidades se consolidaram nas mais inúmeras civilizações, é preciso conhecer e discutir o fenômeno da urbanização e como isso contribui de maneira significativa para as distorções que hoje envolvem o papel e importância das cidades pequenas, médias e grandes, e por conseqüência o seu desenvolvimento.


2.2 A urbanização como Produto DO Capital
A urbanização durante muito tempo foi caracterizada nas discussões voltadas para os limites os quais poderiam qualificar as diferenças entre o urbano e rural. Mas ao observar os estudos inerentes aos objetivos dos processos urbanos e suas dimensões entre os diferentes espaços, e como já sintetizados, acumulativos, a urbanização eleva-se como produto da contradição que a alimenta, nesse caso, o capitalismo.
Mas é preciso destacar que os limites das discussões sobre a urbanização, aos quais estavam centralizadas nas questões industriais onde a economia, por esse aspecto, era predominantemente urbana gerando cada vez mais o aumento populacional, ampliação do uso do solo, e contribuindo em um primeiro momento da análise, a sujeição do ambiente rural a um mero fornecedor de matérias-primas para as cidades.
À medida que algumas oportunidades de absorção de conhecimento técnico-científico foram paulatinamente introduzidas às matrizes econômicas vigentes no interior e ao redor das cidades, a urbanização simplória sob a ótica histórica parece desconsiderar a influência de inúmeros agentes que estão atuando no espaço e no território. Para PEDRÃO (2005, p.5-6):
A urbanização é um processo adaptativo, que combina movimentos de concentração de capital com movimentos dissipativos de capital e de renda, que incluem elencos seletos de participantes e exclui números indiscriminados de pessoas que perdem validade como cidadãos. Cada um dos agentes envolvidos procura resultados.

Essa busca de resultados, principalmente econômicos, é que vem modificando os conceitos que derivam a chamada urbanização. Se os mecanismos promotores de atuação no espaço geográfico onde estão localizadas as cidades são dinâmicos, o conceito fixo do fenômeno tornou-se vazio. Definir, obviamente a questão da urbanização em épocas distintas, não pode estar estacionado apenas na presença do meio físico representado pela cidade. Os seus agentes endógenos ou exógenos são também formuladores do conceito.
No século atual, as classes dominantes sejam elas globais ou locais, com características tecnocráticas e financeiras, têm exigências espaciais distintas para com seus interesses e práticas da urbanização. Com base nisso, as cidades vêm acumulando ou modificando suas funções de acordo com necessidades das formas de capital, derivadas principalmente dos seus habitantes.
A linha de conflito de interesses se desloca acompanhando as mudanças nas fontes de renda dos grupos urbanos. As condições de reprodução do capital no ambiente urbano dependem desses ingredientes, já que ela consiste em produzir moradia e equipamento indiretos que se pagam com a renda dos moradores da cidade. A urbanização da era da produção industrializada difere daquela dos sistemas anteriores de produção. (IDEM, pág. 4)

Tem sido esmagado, além do próprio conceito estático da urbanização, as perspectivas de planejadores do meio urbano que assim como Thomas Morus em sua obra Utopia, imaginava as organizações espaciais ideais. O planejamento urbano parece estar a ponto de ter suas configurações esgotadas, pois pela sua amplitude, imaginar a urbanização democrática é estar sempre em conflito com as visões do sistema capitalista.
Parte desse sentimento de que os planejadores do meio urbano, muitas vezes utilizam uma visão endógena no seu processo de (re) qualificação e (re) ordenamento, quando a realidade capitalista transformou os elementos de influência na gestão e organização das cidades.
SANTOS (1979) afirma que no período de globalização, o planejamento principalmente em caráter nacional já não cabe na forma atual de cidades fixas, separadas, abarcando, portanto redes de cidades. E por isso, alguns modelos de planejamento urbano ou mesmo de gestão urbana levam em considerações as necessidades das grandes metrópoles e por si só, as necessidades do capital dominante.
A contradição em toda forma de planejamento urbano nos dias de hoje parece está assentado naquilo que uma urbanização com vistas ao desenvolvimento econômico gera: de um lado cria oportunidades de ampliação do mercado de trabalho ao incorporar serviços e atividades remuneradas, de maneira inversa; de outro, a estabilidade desses novos aparatos urbanos, carregam também novas modalidades de acumulação, expandindo na outra face a pobreza, e porque não, segundo DAMIANI (2006), arcaísmo visíveis nas metrópoles.


2.3 As Diferentes Formas de Urbanização no Mundo e No Brasil
A urbanização ganhou conotações diversificadas quando consideramos os países desenvolvidos e subdesenvolvidos. A velocidade com que a urbanização decorrente do processo de industrialização nos países centrais ainda que, com limitações, foi inferior e até de certa forma gradativa, em contrapartida aos países periféricos.
A necessidade de infra-estrutura mínima para atender a explosão demográfica no período pós-Revolução Industrial, resultou em concepções de moradias, de sustentabilidades viárias, redes de água e esgotamento sanitário. Mais além, esse processo de urbanização americana e européia gerou em paralelo diversas ramificações e fluxos de mercadorias entre as outras cidades, hierarquicamente falando, pois a industrialização nessas regiões foi sendo sistematicamente descentralizada.
Na segunda metade do século XX e em interação com processos de poder econômico e político que incorporaram mais elementos de articulações internacionais, revelou-se uma imensa pluralidade da urbanização, que mostrou a impropriedade de ver-se esse processo por comparação com experiências européias e norte-americanas. A complexidade da urbanização resulta dos elementos que ela incorpora e dos que ela nega. (PEDRÃO, 2005, pág. 6)

O caso brasileiro de urbanização transcorre portanto de maneira peculiar pelo menos até a década de 70, quando segundo CORRÊA (2001), são notados os primeiros passos de modificações desse fenômeno. Isso porque até aquele momento, a industrialização brasileira pujante e bastante tardia (a partir dos anos 50), é o estopim para uma aglutinação de pessoas a serem abrigadas nos territórios das grandes metrópoles do país, principalmente na região Sudeste.
Ademais, diferente do caso americano e europeu, há pouca sinergia entre as grandes, médias e pequenas cidades. Com as mudanças que ocorrem na organização socioespacial (entenda-se diversificação industrial, capitalização do campo, complexos agroindustriais, crescimento da base do comércio e serviços, aumento da infra-estrutura de transporte e serviços, entre outros) do território brasileiro, CORRÊA (2001, pág. 428) ressalta que “a continuidade da criação de novos núcleos urbanos, a crescente complexidade funcional dos centros urbanos, a mais intensa articulação entre centros e regiões, a complexidade dos padrões espaciais da rede e as novas formas de urbanização”, contribuem para uma nova estrutura social.
Os estudos sobre a urbanização antes dessas inovações permitiram um hiato substancial nas funções ou na possível existência de cidades pequenas e médias com alguma capacidade econômica, política e social relevante, contribuindo assim, para que as massas das populações estivessem predestinadas a se dirigirem para as grandes cidades.
Mas o que caracteriza as pequenas e médias cidades? Existem conceitos cujas classificações estão engendradas tão somente na sua capacidade populacional e tamanho territorial. SANTOS (1979, p. 223) argumenta que as classificações que caracterizaram tais cidades, padecem de uma simbologia taxonômica, sendo que:
“As classificações mais correntes seriam de dois tipos: 1) as que se contentam com o dado demográfico bruto e que distinguem as cidades em função do volume da população (cidades pequenas, médias, grandes e muito grandes); 2) as que se referem a uma classificação funcional... cidades industriais, cidades comerciais, cidades administrativas, etc.”.

O próprio órgão brasileiro oficial de estatística, o IBGE, trabalha com o Decreto-Lei n. 311 de 1938, em que ao determinar que a “sede do município tem a categoria de cidade” já apresenta crucial defasagem na produção de números, principalmente pela complexidade da relação rural-urbana[3].
Ao discutir as pequenas e médias cidades brasileiras em alguns casos, definitivamente, é preciso levar em consideração o papel que algumas delas hoje estão exercendo no contexto local ou mesmo mundial. SANTOS (1988, págs. 89-90) já afirmava positivamente para o papel dessas localidades, principalmente as classificadas como intermediárias de acordo com suas propostas, já que “as cidades intermediárias, que hoje são também chamadas de cidades médias, a que então chamávamos de centros regionais, são o lugar onde há respostas para níveis de demanda de consumo mais elevados.”
Alguns exemplos brasileiros estão na vanguarda dessa nova realidade urbanista. Podemos citar exemplos como São José dos Campos-SP, onde se concentram as atividades da multinacional brasileira Embraer, ou de Uberlândia-MG, cuja localização estratégica a coloca como grande pólo logístico brasileiro. Essas cidades, além de número muito inferior a grandes metrópoles brasileiras do ponto de vista populacional, têm sido pautadas pela qualidade de ensino superior, forte adoção tecnológica nas atividades econômicas e ligação com várias partes do mundo para ampliação dos seus negócios.
Parte dessa transformação também tem por trás um significativo investimento do capital estrangeiro necessitando que os circuitos econômicos dessas médias cidades comecem a produzir cada vez mais trabalhos diferenciados, já que para SANTOS (1993, p. 123) “cidades médias são, crescentemente, locus do trabalho intelectual, como o lugar onde se obtêm informações necessárias à atividade econômica. Serão, por conseguinte, cidades que reclamam cada vez mais trabalho qualificado.”
Essa face do processo de urbanização que durante muitos anos foi relevado nas análises sobre as cidades pequenas e médias do Brasil, os exemplos de São José dos Campos-SP e Uberlândia-MG são de certa forma, gotas no oceano de um país, que prima pela forte desigualdade local, regional e mesmo nacional. Ainda que sejam exemplos de que existe um lado positivo na urbanização fora do quadro das grandes cidades brasileira, pois ela em alguns momentos “se apresenta como socialmente positiva quando abre oportunidades de renda e de condições de vida para a maioria”, segundo PEDRÃO (2005), por outro lado, “ela se afirma através de novas formas de separação de classes, onde as relações básicas entre capital e trabalho estão mascaradas por outras sutis de controle do trabalho.” (IDEM, 2005).
Entretanto, para grande maioria das pequenas e médias cidades que despontam com elevadas condições de vida, numericamente sintetizadas pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e outras estatísticas oficiais, a história do desenvolvimento facilitou, de certa forma, o seu surgimento em duas regiões brasileiras que se destacam pelas concentrações econômicas, educacionais, industriais, ou seja, o Sul e o Sudeste.
E qual o papel das cidades pequenas e médias em outras regiões do país, principalmente no Nordeste a qual está localizado o município de Candeias-BA? Seria impossível neste ensaio detalhar o processo histórico das rupturas em relação ao desenvolvimento econômico que se concentram no eixo sul-sudeste brasileiro. Mas é notório perceber que as mudanças do capital na sua forma de apropriação do tipo de economia, a quem se destina a sua produção e os mecanismos que propiciam a sua acumulação e/ou reprodução, esgotaram-se a ponto de fazer cidades que hoje são consideradas pequenas, como Cachoeira-BA (localizada no Recôncavo Baiano), e que tinha importância crucial no comércio entre Salvador e a Europa colonial, esvaziar-se de suas funções, deixando-lhe apenas um passado histórico:
A participação na economia internacional no período colonial e sua posterior atualização foram determinantes na formação de cidades qualitativamente diferenciadas, naquilo em que puderam reunir competências técnicas e condições de representação cultural que as outras não tiveram, e no que contiveram uma estruturação de classes que não pode ser explicada apenas em termos de conflitos locais de interesse. (PEDRÃO, 2005, p. 19)

Pensar, portanto, as pequenas e médias cidades e sua função e interação nos dias atuais através dos processos de urbanização, é também a chance irreversível de conhecimento sobre a economia do espaço, conforme aponta HARVEY (2004). Se faz necessário levar as discussões das pequenas e médias cidades, considerando que a atividade do capital e seu desenvolvimento é fortemente desigual, sob a ótica territorial, material e histórica

3.                  A ATIVIDADE PORTUÁRIA INSERIDA NA PEQUENA E MÉDIA CIDADE COMO PROJETO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Diferente de algumas cidades, Candeias-BA parece ser o retrato de um arcaísmo, ou a ponta nefasta de um desenvolvimento econômico tardio. Localizada dentro da Região Metropolitana de Salvador, o município segundo estimativas do IBGE para o ano de 2009, davam conta de uma população em torno de 82 mil habitantes. Sua inserção na economia baiana acontece ainda na década de 50 e 60 com a descoberta de petróleo que culminou na atração de pessoas para seus limites.
Sua conexão com a capital acontece principalmente pelo eixo rodoviário da BR-324, principal estrada ligando outras importantes cidades no contexto baiano, como Feira de Santana. A economia do município gira em torno de parques industriais, como a 2ª maior refinaria em funcionamento no Brasil, a RLAM – Refinaria Landulfo Alves Mataripe, e possui na sua faixa litorânea uma importante base portuária, o Porto de Aratu cuja administração está sob gestão da Companhia das Docas do Estado da Bahia (CODEBA).
A atividade portuária aqui em destaque, sempre assumiu papel relevante em toda história das civilizações e das crescentes necessidades entre os mais variados lugares. Nos tempos mais remotos onde o comércio era concentrado em poucas mercadorias, mas com valores elevados para sua obtenção, os meios de transportes e as rotas marítimas eram de fundamental importância para a Europa, como afirmava MUMFORD (2008, pág. 85):
Se os transportes eram o elemento mais dinâmico na cidade, afora a guerra, a falta de transportes ou a facilidade com que estes podiam ser interrompidos ao longo de uma rota fluvial, por uma comunidade que negasse passagem aos barcos, foi uma ameaçada ao seu crescimento, aliás, a sua própria existência. Isso, sem dúvida, explica a tendência das cidades poderosas a estender suas fronteiras e destruir cidades que pudessem bloquear suas rotas de comércio: o que era importante para salvaguardar as “linhas da vida”.

A manutenção das “artérias” comerciais era de fundamental importância para o processo de expansão territorial e de acumulação capital. A atividade portuária desde o seu início com sua ampliação das fronteiras se estabeleceu como uma das primeiras formas de redes interligando cidades, comércios, países e civilizações.
Passados séculos desde o estabelecimento das grandes navegações com sabor de conquistas, a navegação se hoje não produz guerras pela manutenção do poder sobre rotas comerciais, introduz influência formidável sobre a presença maciça de navios de grande escala transportando para diversas partes do globo um sem número de produtos.
No caso da região da Baía de Aratu, a função do Porto de Aratu, principalmente, tem como destaque o suporte ao transporte de cerca de 60% das mercadorias via modal marítimo, devido a sua estreita ligação com o Polo Petroquímico de Camaçari-BA, segundo informações da CODEBA.
Entretanto, é importante salientar a presença de 2 portos privados que formam o complexo portuário do município de Candeias: o Porto da Dow Química (empresa americana ligada insumos químicos) e o Terminal Portuário Privativo Miguel de Oliveira da Ford (também uma empresa americana do ramo automobilístico).
Aparentemente, a existência desses empreendimentos em uma pequena cidade como Candeias, poderia ser fator de um forte elemento para o desenvolvimento econômico local. Contudo, a realidade parece ser oposta do que se pode imaginar. As presenças de portos de empresas internacionais trazem no seu bojo traços marcantes: um deles é a necessidade do capital em se aproveitar (ou recriar) alguns espaços moldando a configuração do seu negócio aos aspectos logísticos para atender um mercado mundial. A outra se refere a tornar este local um espaço conhecido ou referenciado globalmente, já que tais empresas estão invariavelmente gerando oportunidades para seus negócios e comunicando-se com diversas regiões na América, Europa, Ásia, etc. Um último traço associado é a própria operação do empreendimento em que os índices de produtividade estão além dos portos organizados públicos muitas vezes com uma quantidade menor de empregos[4].
Essa mudança do espaço econômico poderia, portanto, gerar demandas por mão de obra especializada e capacitada em seus diversos níveis. Contudo, a realidade da inserção da atividade portuária na região da Baía de Aratu e consequentemente, no município de Candeias, mostra-se atípica. Um dos fatores está relacionado a localização. A atividade em si pouco agrega a realidade do município quando se olha a empregabilidade. Grande parte do contingente dos trabalhadores veio de outras localidades, principalmente Salvador, que vislumbraram no setor secundário e terciário da Região Metropolitana, fora da capital, oportunidades de emprego.
Em comparação a outro porto regional, o da própria capital do Estado, o Porto de Salvador está localizado em um dos pontos mais valorizados da cidade, principalmente pelas suas características turísticas. A prefeitura municipal e governo estadual vêm tentando organizar a revitalização na região do bairro do Comércio. Ademais, as presenças das empresas que exploram a atividade portuária permitem que o fluxo de pessoas e capital circule localmente[5]. Em contraponto a essa realidade, a sede municipal de Candeias dista cerca de 23 quilômetros da zona portuária, fazendo com que haja pouca interação econômica local[6]. A relação se baseia tão somente na responsabilidade de tributos previstos em lei. Ou seja, a atividade portuária que é global neste município pouco estabelece relação com a realidade local.

4.                  CONCLUSÃO

O artigo aqui apresentado tem como objetivo destacar algumas questões sobre a representatividade, mas principalmente, a questão do desenvolvimento econômico no tocante as pequenas e médias cidades.
Escolheu-se como estudo de caso uma realidade, em contraponto, a alguns casos de êxito de urbanização no Brasil para esses tipos de localidades, onde mesmo processos industriais capazes de gerar altas somas econômicas para um município, pode ao mesmo tempo, não gerar as oportunidades de emprego e renda na mesma escala.
Com base nesse princípio, foi possível concluir em caráter preliminar que a atividade portuária que traz consigo a possibilidade de interligar o local a várias partes do mundo, necessita de algumas configurações, de forma a intercalar a sua função para o município em que a abarca.
O distanciamento da região portuária a sede municipal diminui de um certo ponto de vista, o discurso desenvolvimentista que pode ser gerado em escalas mais sinérgicas (vide exemplo do Porto de Salvador), pois nos exemplo levantados, a sua função é meramente de apoio logístico algumas atividades que são economicamente vantajosas para outras localidades.
Entretanto, embora não tenha sido discutido nesse artigo, a Bahia está em vias de absorver outro exemplo de investimento dessa natureza, na região Sul do Estado, naquilo que está sendo conhecido como Porto Sul e em uma cidade considerada média, ou seja, Ilhéus-BA. É possível que partindo desse exemplo, seja possível analisar mais profundamente as escalas de interesse e necessidades econômicas das atividades portuárias.
Mesmo que os resultados mostrem a carência de um desenvolvimento econômico mais equilibrado, ou mesmo sustentável, é preciso destacar que este artigo procurou, assim como estudos mais atuais, focar na visibilidade que as pequenas e médias cidades vêm recebendo através dos novos paradigmas que estão moldando o processo da urbanização no Brasil.
É preciso realmente discutir a importância de um futuro regional e nacional com a contribuição efetiva das pequenas e médias e cidades, ao mesmo tempo em que as propostas de desenvolvimento ainda padeçam de significativas formas de propor alguns rumos ou novas experiências para aqueles que ainda perpetuam o entendimento de que o estar socialmente ou economicamente visível é dentro das grandes metrópoles, ou a serviço delas.


5.                  BIBLIOGRAFIA

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     1995
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Corrêa, R. L. A rede urbana brasileira e a sua dinâmica: algumas reflexões e questões. In:
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Santos, Milton. O espaço dividido – os dois circuitos da economia urbana dos países
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______________. A urbanização brasileira. São Paulo, Ed. Hucitec, 1993.
______________. Espaço e sociedade no Brasil: a urbanização recente. Geosul, Florianópolis,
    ano III, n.5, p.85-100, 1988.


[1] Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Salvador (UNIFACS), Graduando em Licenciatura em Geografia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e aluno da Especialização em Desenvolvimento Regional e Planejamento Ambiental pela Universidade Salvador (UNIFACS).
[2] A teoria dos lugares centrais é uma teoria desenvolvida por Walter Christäller para explicar a forma como os diferentes lugares se distribuem no espaço. Segundo esta teoria, um lugar central (um centro urbano) fornece um conjunto de bens e serviços a uma determinada área envolvente (área de influência ou região complementar). Cada um destes lugares centrais pode ser classificado hierarquicamente em função da quantidade e diversidade de bens e serviços que fornecem à sua área de influência.
[3] Um dos grandes questionadores sobre a tese da urbanização brasileira é VEIGA (2002), onde na sua obra, Cidades Imaginárias – O Brasil é Menos Urbano do que se Calcula, são discutidos pontos que devido ao uso do Decreto-Lei supracitado no texto, o Brasil apresenta um quadro de urbanização fictício e que com base na legislação, a produção de dados por si só não condizem com a realidade complexa da vida urbana e rural brasileira. Além disso, a geração desses números termina por mal-suceder as possibilidades de melhorias da sociedade através de políticas públicas que muitas vezes concentram-se em setores desqualificando regimentos econômicos, sociais, políticos, culturais locais e regionais.
[4] No caso do Terminal Portuário da Ford, a operação movimenta uma média de 178 carros por hora durante os processos de importação e exportação de veículos, enquanto alguns dados estimam que demais portos concentram uma média de cerca de 150 carros por hora, como por exemplo o de Paranaguá.
[5] Apesar do localmente referir-se a apenas um bairro, é preciso destacar o fluxo turístico que também está presente no Porto de Salvador, principalmente entre os meses de dezembro à fevereiro com as chegadas de transatlânticos das mais variadas partes do país.
[6] Um importante sintoma dessa realidade foi veiculado recentemente nos jornais de maior circulação do estado e nas redes de televisão local, quando alguns protestos de moradores de Candeias interromperam por algumas horas o fluxo de veículos sob a égide da falta de geração de empregos para seus habitantes. Isso também é notado na própria administração pública, onde por “ausência” de mão de obra qualificada, alguns cargos são ocupados invariavelmente por pessoas externas a realidade local.