domingo, 12 de setembro de 2010

DA AVENIDA AO BAIRRO: O BAIRRO CAMINHO DE AREIA EM SALVADOR-BA





“A casa, a rua, a cidade são pontos de aplicação do trabalho humano; devem estar em ordem, senão contrariam os princípios fundamentais pelos quais nos norteamos; em desordem, elas se opõem a nós, nos entravam, como nos entrava a natureza ambiente que combatíamos, que combatemos todos os dias.” (CORBUSIER)

Autor: Leandro Oliveira Carneiro[1]

Resumo

O texto aqui apresentado busca levantar as condições do ponto de vista urbanístico de um dos bairros que compõe a região denominada Cidade Baixa localizada em Salvador-BA.
São retratadas as problemáticas de ocupação e uso solo no bairro Caminho de Areia, perfazendo algumas discussões sobre a questão da urbanização e de que forma esse processo fez de Salvador um espaço de forte desigualdade cotidianamente reconhecida pelos nela habitam.
 Palavras-Chaves: Salvador, Planejamento, Urbanização e Caminho de Areia.

Abstract

The text presented here seeks to raise the conditions of the urban point of view of one of the neighborhoods that make up the region known as Cidade Baixa located in Salvador, Bahia

She portrays the problems of occupation and land use in the neighborhood of Caminho de Areia, totaling some discussions on the issue of urbanization and how this process has an area of Salvador strong inequality routinely recognized by the inhabitants thereof.

Key Words: Salvador, Planning, Urban and Caminho de Areia

 

1.      INTRODUÇÃO

O texto produzido no contexto do uso do solo urbano na cidade de Salvador procura detalhar a situação de uma das transformações vivenciadas por uma parte dos habitantes da conhecida região denominada de cidade baixa, mais especificamente, o bairro Caminho de Areia.
Além das formas de ocupação, a experiência cotidiana daqueles que estão inseridos na organização da cidade ou de parte dela pode se dar através de um olhar histórico sobre os processos que estão a todo o momento modificando o espaço em que se vive.
No caso de Salvador, a sua história desde a sua fundação até o início do século XXI, mostra que em muitos casos se perpetuam conflitos capitais que a transformam em referência de segregação social e econômica, mas por outro lado, ainda é capaz de produzir espaços de relevância positiva para as questões urbanísticas.
Em relação a chamada Cidade Baixa (também assim denominada pela conhecida falha geológica resultantes de processos de mais 100 milhões de anos atrás), seu crescimento e sua existência nas dinâmicas urbanas soteropolitanas a tornaram palco de muitas das contradições que permeiam os interiores das grandes cidades, ainda que uma parte considerável dela mantenha uma identidade própria.
As considerações feitas aqui sobre o bairro Caminho de Areia procuraram diagnosticar como vem ocorrendo a ocupação e uso do solo nesta parte da cidade de Salvador.

2.      Breve Arcabouço Teórico sobre as Cidades E A URBANIZAÇÃO

Independente do seu tamanho, o surgimento das cidades mostra-se como um pilar na organização cultural, social e econômica da humanidade, como nos diz MUMFORD (2008, págs. 35-36):

A cidade se revelou não simplesmente um meio de expressar em termos concretos a ampliação do poder sagrado e secular, mas de um modo que passou muito além de qualquer invenção consciente, ampliou também todas as dimensões da vida.

São as práticas sociais e espaciais que condicionam muitas das reflexões sobre a própria natureza da cidade. As dispersões inerentes a humanidade em tempos remotos passam a ser consumidas pela necessidade de trocas em velocidade e variações cada vez maiores envolvendo diversas esferas da sociedade. Isso passou a ser uma das razões do surgimento do tecido urbano que começa lentamente a ser construído e do fortalecimento da existência das cidades.
A urbanização ocorre através das organizações comunitárias que se solidificam com o surgimento e materialização do capital na sociedade, definindo condições e funções para aquele espaço. Além disso, urbanizar significa também a apropriação de grandes partes do território e dos seus recursos naturais. As cidades passam a se conectar umas com as outras, sendo os nós referenciais a esse processo de trocas local, regional ou mundial.
O processo de urbanização se pauta pela acumulação, onde nesta fase, são inventadas ou reinventadas novas formas e mecanismos de exploração. PEDRÂO (2005, pág. 10) afirma “o nível geral da acumulação de capital integra atividades com diversas concentrações de capital, portanto, que dependem de combinações que dependem do desenvolvimento industrial e da capacidade de usar produtos da indústria.”.
Mas aquilo que foi denominado ao longo da sua história como urbanização, obviamente, ganha contornos diferenciados em várias partes do globo e de como as cidades estão inseridas nesse contexto. Nos países centrais, a urbanização acontece de maneira gradual, em oposição às nações periféricas, notadamente muito mais rápida.
Um dos grandes desencadeadores nas sociedades ocidentais, da velocidade e forma da urbanização, está relacionada a Revolução Industrial iniciada em solo europeu no século XIX. As condições urbanas com o crescimento do papel da indústria, das novas faces da relação entre urbano-rural e do aumento exponencial da população fizeram desse momento um indutor de complexos problemas sociais e de ocupação do solo para muitas cidades.
A urbanização suscitou ao mesmo tempo a necessidade de infraestrutura (esgotamento sanitário, moradias, ruas, etc.) para atender um crescimento exponencial das condições de vida que no seu início apresentavam inúmeras fragilidades. É partindo dessa situação que os problemas habitacionais tornam-se um dos problemas mais visíveis nas análises das cidades e do uso do seu solo.

Essa situação deriva, basicamente, do intenso crescimento populacional provocado pela chegada de grandes levas de trabalhadores dispensados do campo (Londres, na época, já abrigava 2,5 milhões de habitantes); da insuficiência de empregos, de renda e de abrigos; da densificação de ocupação em áreas localizadas nas proximidades centrais e industriais; da segmentação e especulação na produção imobiliária de base rentista; da diferenciação de usos e funcionalidades dos espaços; da ampliação de ocupação para periferia; enfim, constitui, segundo esse enfoque, uma situação intrínseca às novas relações de produção e às desigualdades sociais. São questões que contribuem para o intenso processo de segregação espacial da moradia, segmentando, em determinados espaços da cidade, as áreas nobres – e, em outras localizações, os cortiços, os cubículos para aluguel e as vilas operárias (SOUZA, 2008, p. 26)

A partir da 2ª grande Guerra Mundial, muitas das cidades passam a ter que administrar as consequências das metropolização. A chegada da massa de trabalhadores sem condições de empregabilidade seja da zona rural ou em outras partes do país torna-se um movimento rotineiro. 

Quando o campo se esvazia, as cidades se enchem. O mundo da segunda metade do século XX tornou-se urbanizado como jamais fora. Em meados da década de 1980, 42% de sua população era urbana, e, não fosse o peso das enormes populações rurais da China e da Índia, teria sido maioria. Mas mesmo nos núcleos do interior rural as pessoas se mudavam dos campos para as cidades, e sobretudo, para a cidade grande. (HOBSBAWN, 2004, p.288)

3.      A URBANIZAÇÃO EM SALVADOR

Os governos começam a ampliar a produção habitacional voltada para aqueles que possuíam condições de renda inferiores, além de serviços públicos para a coletividade visivelmente voltada para a necessidade de reprodução da força de trabalho. As discussões sobre a questão do espaço nas cidades como meio de produção e da reprodução do capital ganham mais força, cabendo ao Estado seu principal agente. A segregação espacial passa a ser uma das consequências dessa política habitacional estatal, pois:

Essa produção estatal intensiva de habitação também irá interferir na configuração da segregação espacial nas grandes cidades. Desobstruindo grande parte das velhas áreas centrais encortiçadas, esse processo dá lugar a um outro tipo de segregação na cidade: a exclusividade da habitação, por grupos sociais e por classes de renda, em determinadas zonas de expansão da área urbana, o que contribui para segmentar ainda mais as diferenças na ocupação habitacional (SOUZA, 2008, p.31)

As grandes cidades brasileiras foram pautadas por esse mecanismo perverso na sua constituição. Com atraso em relação ao tempo de outras nações, a crescente industrialização em meados dos anos 50, transformam as ocupações e aglutinações de pessoas extremamente centralizadas no Sudeste brasileiro. O planejamento urbano incipiente, não consegue acompanhar as transformações promovidas por uma intensa industrialização e de migração extensiva de pessoas da zona rural em busca de trabalho nas cidades.
No caso de Salvador, SOUZA (2008) diz que:

Como primeira capital do Brasil e uma das áreas urbanas mais antigas da América Latina, o processo de crescimento urbano industrial mais recente superpõe-se a outras características habitacionais herdadas do passado. A cidade manteve, até meados deste século, uma estrutura fundiária arcaica, baseada em arrendamentos de glebas públicas e privadas. A subdivisão dos antigos sobrados do Centro Histórico para aluguel, prática surgida no final do século passado, com a abertura de novas áreas habitacionais nos arredores imediatos para famílias abastadas, gradativamente, vai dando lugar aos cortiços.

As intervenções de infraestrutura municipal surgem com maior importância na cidade a partir dos anos 40. Entretanto, muito pouco se fez para combater as questões enfrentadas pelo uso do solo das populações de baixa renda. As ações que buscavam modificar o quadro arcaico de Salvador terminam por ser a origem de vários problemas enfrentados atualmente:

Neste período marcado por profundas transformações econômicas e sociais deu-se a transição da região de Salvador para um novo ciclo de acumulação capitalista e da antiga capital colonial para um modelo de desenvolvimento urbano baseado num ideário de modernidade, a partir do qual velhas estruturas foram rompidas, mas em que, também, começaram a se evidenciar as contradições que determinaram a forma urbana particularmente complexa que a Cidade assumiu ao longo da sua história recente. (SEDHAM, 2009, p. 41)

Inicia-se o processo de ocupações próximas as áreas já ocupadas trazendo por consequência um aumento no adensamento desses bairros proletários. Havia, segundo estudiosos, um grande entrave nesse momento para ações mais efetivas que eram oriundas das tradições portugueses, tornando a posse da terra um bem perpétuo. Por outro lado, na medida em que os investimentos em infraestrutura social começam a despontar, muitos desses proprietários passam a verificar e apostar nos grandes lucros através da manutenção dos espaços vazios na cidade visando movimentos especulativos.
A partir desse quadro, a década de 40 e 50 começa a testemunhar os movimentos de invasões desses espaços como escape a impossibilidade de financiamento para as classes baixas através dos sistemas formais ou informais de habitação e a maciça presença de posse das terras nas mãos de poucas pessoas.
A abertura de novas “fronteiras” urbanas com a implantação da Estrada Velha do Aeroporto e da Avenida Amaralina-Itapuã (hoje conhecida como Octávio Mangabeira), possibilitou ampliar os vetores de urbanização, e oportunizando maiores condições para o parcelamento urbano do solo da cidade.

A área comprometida com parcelamentos no período de 1950 a 1960 equivaleu a mais de 3,5 vezes a área total comprometida com este tipo de empreendimento em toda a história do Município até o ano de 1950, atingindo, ainda na primeira metade da década, uma área suficiente para absorver 70% a mais do que o incremento populacional verificado no período 1950-1960, que foi de aproximadamente 283 mil habitantes (IDEM, 2009).   

No final da década de 60, alguns mecanismos de regulação começam a surgir para fomentar novas diretrizes da expansão urbana em vigor. Dentre esses instrumentos estão a Lei Municipal 2.181/68 conhecida como a Lei da Reforma Urbana, o surgimento das vias de vale e a reforma do Código de Urbanismo. 

A Lei da Reforma Urbana buscava rever o domínio fundiário das terras que estavam nas mãos de terceiros, implicando em uma grande concentração capitalista na cidade. Entretanto, apesar das tentativas, as ações provenientes dessa lei naufragaram juridicamente, permitindo que esses proprietários permanecessem com tais domínios de forma definitiva. As novas avenidas que foram idealizadas e posteriormente construídas favoreciam as ligações envolvendo o Centro de Salvador e a Orla Marítima, destacando-se, o Vale do Bonoco (1970), Vale do Canela (1974), Av. do Contorno (1958), Av. Anita Garibaldi (1972), entre outras.

Outro impacto relevante para a urbanização soteropolitana se dá entre os anos de 1971 e 1975 com a implantação das pistas da Avenida Luiz Viana Filho, também conhecida como Av. Paralela, a duplicação da BR-324 e a ligação envolvendo o CIA-Aeroporto e a chamada Via Parafuso, facilitando a interseção de entrada e saída de mercadorias a nível local e regional. É dessa mesma época a centralização na administração pública estadual com a construção do Centro Administrativo da Bahia e a Estação Rodoviária de Salvador.

Ainda na década de 70, a implantação do então Shopping Iguatemi em 1975 provoca um novo passo para esse processo urbanístico, ao atrair grandes empresas da construção e de comunicação (Jornal A Tarde), e a consolidação de loteamentos voltados para os grupos de alta renda através do Caminho das Árvores e o Itaigara. A construção das Avenidas Antônio Carlos Magalhães e a Juracy Magalhães fortalecem as futuras estruturas que irão servir ao eixo Iguatemi-Itaigara-Orla Marítima.

Nas regiões menos abastadas, destaca-se a construção da Av. Suburbana que liga a região dos subúrbios ferroviários, transformando-se em um importante eixo rodoviário das zonas periféricas de Paripe e Lobato até o Centro da cidade.

Nos anos 80, ainda sob forte expansão demográfica, os processos já apresentados continuam seguindo com suas transformações na realidade de Salvador. Nesse período, o círculo de adensamentos permanece nas regiões do Cabula, Subúrbio Ferroviários e de Cajazeiras. A cidade testemunha o surgimento das Malvinas, atualmente Bairro da Paz, ainda que a Prefeitura tenha medido esforços para transferir a população ali existente, mas não obteve sucesso. A ocupação extensiva da Orla Marítima também é notada nesse período entre os bairros de Jaguaribe e Piatã, seja por motivos residenciais ou comerciais.

Para os anos 90, são observados a ocupação do uso do solo que toma grande parte do território da cidade, restando, principalmente alguns espaços vazios que futuramente serão sumariamente explorados, tais como a Av. Paralela. Os processos envolvendo as camadas da população de baixa renda vivem uma realidade cada vez mais marcada pelo adensamento das construções o que se revela, a essa altura com as preocupações ambientais um pouco mais sólidas, grandes problemas principalmente nos locais onde são realizados parte dos abastecimentos da cidade (Represa de Ipitanga e Cobre). A verticalização torna-se também uma marca da cidade onde são implantados grandes edifícios principalmente nas zonas mais nobres.

É possível observar nas figuras 1 e 2 a seguir, a urbanização do espaço territorial de Salvador entre os anos 40 e 90.


Fig. 1. Evolução Urbana de Salvador em 1940 (Fonte: SEDHAM, 2009)



 
 
Fig. 2. Evolução Urbana de Salvador em 1998 (Fonte: 
SEDHAM, 2009)

1.      A CIDADE BAIXA E O BAIRRO CAMINHO DE AREIA

A formação da Cidade Baixa como espaço de ocupação se dá a partir de meados do século XVI com os sucessivos aterros das faixas litorâneas e que formaram um intenso eixo comercial e de segurança militar. Historicamente a parcela que hoje é conhecida como Conceição da Praia foi o início da ocupação dessa região da cidade.
Concentram-se nesse espaço, substanciais marcos da história de Salvador, destacando-se o Forte de São Marcelo, o Mercado Modelo e o Elevador Lacerda idealizado pelo Eng. Antônio Lacerda no século XIX.
Sob a ótica do planejamento macrourbano, Salvador divide-se em 17 Regiões Administrativas (RA). Parte desse contexto histórico está concentrada nas RA I (Centro) e II (Itapagipe) (ver Figura 3). Outras partes da Cidade Baixa destacam-se como os bairros da Calçada e Roma que surgiram através da Viação Ferroviária Leste Brasileiro em 1862, sendo predominantemente um bairro industrial. 

 Figura 3. Imagem da Península de Itapagipe ou Região Administrativa II (Fonte: Google Earth, 2010)

O Largo de Roma tem origem entre os séculos XVIII e XIX e hoje é o principal encontro de três importantes vias: Av. Dendezeiros, Av. Luís Tarquínio e a Av. Caminho de Areia. 

A Avenida Caminho de Areia era também conhecida como Avenida Tiradentes. Sua ligação com outros bairros, principalmente a Ribeira, sempre caracterizou sua origem facilitando o acesso e circulação das pessoas. O nome Caminho de Areia relaciona-se ao fato de que no passado, a via era composta de areia, podendo indicar que antes dos processos de aterramento, era também um caminho para a praia predominante naquela região.

 Figura 4. Imagem do Bairro Caminho de Areia delimitado (Fonte: Google Earth, 2010)

O crescimento e importância urbana da Avenida Caminho de Areia cresceram com o passar dos tempos, revelando atualmente uma densidade populacional e de variadas ocupações, ainda que de forma geral, o bairro (ver Figura 4) e mesmo essa região não se caracterize pela existência de grandes edificações. 

O bairro (Fotos 1 e 2) possui uma vertente significativa para o uso comercial, principalmente na avenida principal, embora dois grandes conjuntos habitacionais estejam inseridos nessa realidade. As ocupações residenciais estão concentradas nas vias secundárias, como as ruas Turiaçu, Turiema, Duarte da Costa, Francisco Souza, Americano da Costa, Carneiro da Rocha e Resende Costa (Fotos 3 e 4).

 Fotos 1 e 2 O bairro Caminho de Areia através da Avenida Principal

Devido a retirada das antigas indústrias existentes na Cidade Baixa, criou-se uma enorme problemática social com os elevados índices de desempregos e com as ocupações sem planejamento visando a moradia.
 Fotos 3 e 4 Imagens de Ruas Transversais do Bairro (Ruas Francisco Souza e Americano da Costa)

Grande parte das calçadas do bairro atualmente vem sendo ocupadas por uma quantidade cada vez maior de ambulantes que disponibilizam serviços ligados essencialmente a alimentação como mecanismo de sobrevivência as dificuldades de inserção no mercado formal de trabalho criando assim um conflito diário com os pedestres que necessitam da passagem das calçadas (fotos 5 e 6).
 Fotos 5 e 6 Presença de Ambulantes nas calçadas do bairro

A economia do bairro está ligada a disponibilidade prioritariamente de atividades do setor terciário, destacando-se as farmácias, alimentação, transportes e materiais de construção, embora de maneira geral, este apresente grande variedade de serviços, que envolve também concessionárias de veículos e clínicas médicas (fotos 7 a 10).

Fotos 7 a 10: Atividades Presentes ao longo do Bairro Caminho de Areia na Avenida Principal

Devido a ausência de espaços vazios, o bairro não dispõe de investimentos significativos de médio ou maior porte. As exceções concentram-se em uma empresa de ônibus que atua em diversas linhas, mas já existente na região e a inserção de uma nova unidade de uma rede de supermercados do grupo Atakarejo que com alto movimento dos clientes que utilizam automóveis, gera transtornos para a fluidez do trafego local (Fotos 11 e 12).

 Fotos 11 e 12: Mercado de grande circulação de pessoas e automóveis localizado no Bairro

Para a questão do transporte, o bairro apresenta saturação em relação a capacidade da avenida e a quantidade de veículos que ali trafegam, o que ajuda a comprometer também as condições do pavimento que já apresentam desgastes significativos e se agravam com a ausência de manutenção. Ainda assim, o bairro conta com inúmeras linhas de ônibus para demais regiões, tais como Federação, Itaigara, Rodoviária, Paripe, Eng. Velho de Brotas, Comércio, Barra, Ondina, Estação Mussurunga, Cabula, Centro Administrativo, Barroquinha, Carlos Gomes, Campo Grande, entre outros.

Quanto aos serviços financeiros, recentemente houve a abertura de uma agência do grupo Itaú, embora grande parte das operações estejam disponíveis somente através dos terminais eletrônicos ou através das loterias. A necessidade de agências propriamente ditas, sempre se mostrou incipiente no bairro, concentrando-se grande parte dos serviços no bairro da Calçada (fotos 13 e 14).

Fotos 13 e 14: Agência Bancária e Terminais de Autoatendimento no bairro Caminho de Areia

A estrutura educacional do bairro apresenta apenas uma unidade de caráter municipal, o Colégio Tiradentes. As demais necessidades desse setor são atendidas através de outros bairros próximos ao Caminho de Areia ou voltados para equipamentos de maior porte localizados em outras regiões da cidade. 

Pelo tempo de sua existência, a estrutura do bairro hoje padece de enormes dificuldades pela ausência de manutenção o que implica em condições difíceis de serem absorvidas em períodos considerados chuvosos. Parte considerável da rede de drenagem tornou-se obsoleta para a necessidade do bairro, agravada com os entupimentos recorrentes por resíduos ou sedimentos que são carreados pela chuva. Os desníveis entre a via e os calçamentos existentes para os pedestres afunilam ainda mais o problema ao não permitir o escoamento adequado da água. 

Sob o ponto de vista ambiental, há muito tempo as áreas verdes deixaram de existir no bairro, o que amplia o fenômeno das ilhas de calor e de forma significativa a sensação térmica em períodos de maior temperatura.

2.      CONCLUSÃO

A história do processo urbanização em Salvador acrescentou uma realidade dualista ao cotidiano da cidade. As formas de ocupação e segregação espacial transformaram o espaço soteropolitano ampliando e conservando desigualdades que se instauraram na formação do país desde o século XVI.

Passados tantos anos, a cidade cresce com base em políticas urbanas que pouco acrescentam em eficácia ao cotidiano da população nas áreas da mobilidade, infraestrutura, desenvolvimento econômico e questões ambientais.

Apesar do intenso crescimento urbanístico testemunhado nesta década, os investimentos predominantemente estão apenas ao alcance de uma parcela muito baixa considerando o tamanho da população da cidade. Concomitantemente, esses investimentos se concentram em uma parcela do solo do município cujo destino para estabelecimento de novas residências e infraestrutura comercial são alavancados por grandes incorporadoras nacionais, em um claro movimento de especulação imobiliária gestada anos atrás.

Para a cidade baixa, a urbanização de Salvador mostrou-se ainda mais cruel. As iniciativas industriais que produziram os primeiros bairros e ocupações do solo se extinguiram deixando como marca mais profunda os problemas urbanos e sociais e sem perspectiva de atuação do poder público nos dias de hoje.
Uma parte desse resultado de planejamento da urbanização pode ser acompanhada no bairro do Caminho de Areia. Ainda que exista uma estrutura estabelecida para atender a população que ali reside, o entorno do bairro vem sofrendo com o avanço de problemas sociais graves. Soma-se a tais fatos, a negligência do poder público que com recursos insuficientes para administrar a cidade, termina por abandonar prerrogativas básicas que lhe competem. 

A condição de vida no bairro necessita, portanto, de um planejamento em que sejam englobadas novas soluções de forma a organizar as dinâmicas que existem na cidade, discutindo democraticamente o espaço que hoje é vital para toda uma população.

3.      REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

Hobsbawn, Eric. A Era dos Extremos: o breve século XX (1914-1991). 2ª Edição, São
     Paulo. Companhia das Letras, 2004

Mumford, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas.
     5ªEdição. São Paulo, Ed. Martins Fontes, 2008.

Pedrão, Fernando. A Urbanização Contraditória. Salvador, 2005

Sedham. Cadernos da Cidade, Volume I: Uso e Ocupação do Solo em Salvador.
    Salvador, SEDHAM, 2009.

Souza, Angela Gordilho. Limites do Habitar: segregação e exclusão na configuração
     urbana contemporânea de Salvador e perspectivas no final do século XX. 2ª Edição.
     Salvador, EDUFBA, 2008.



[1] Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Salvador (UNIFACS), Graduando em Licenciatura em Geografia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e aluno da Especialização em Desenvolvimento Regional e Planejamento Ambiental pela Universidade Salvador (UNIFACS).

domingo, 27 de junho de 2010

NORMATIZANDO A NATUREZA: O CAPITALISMO E O CONTROLE AMBIENTAL (E ECONÔMICO) ATRAVÉS DA ISO 14001



“Agem assim dentro de um contexto de legislação cada vez mais exigente, do desenvolvimento de políticas econômicas e outras medidas visando adotar a proteção ao meio ambiente e de uma crescente preocupação expressa pelas partes interessadas em relação às questões ambientais e ao desenvolvimento sustentável.” (ISO 14001)


RESUMO

A atividade do capitalismo, principalmente a partir da segunda metade do século XX, trouxe a tona uma relevante necessidade e anseios de consumo que se fundamentam cada vez mais no uso de recursos naturais cuja escassez parece inevitável. Partindo desse pressuposto, existe a formulação de um discurso ambiental voltado para a sobrevivência da espécie humana, mas que esconde as contradições de um modo de vida baseado no capital.

O texto aqui procura trabalhar como esse discurso, liderado pelas grandes corporações vem procurando normatizar as relações com a natureza através de mecanismos como a Norma ISO 14001 em prol da manutenção e gerenciamento dos recursos naturais como objeto de dominação.

Palavras-Chaves: Meio Ambiente, Política, Economia e ISO 14001

ABSTRACT

The activity of capitalism, especially since the second half of the twentieth century brought forth a relevant consumer needs and desires that are based increasingly on the use of natural resources whose shortage seems inevitable. Based on this assumption, there is the formulation of an environmental discourse focused on the survival of mankind, but that hides the contradictions of a way of life based in the capital.

The text seeks to work here as this discourse, led by large corporations has been seeking to normalize relations with nature through mechanisms such as the ISO 14001 standard for the maintenance and management of natural resources as objects of domination.

Key Words: Environment, Politics, Economics and ISO 14001


1. INTRODUÇÃO

A discussão sobre questão ambiental no século XXI assumiu papel relevante em muitas esferas da sociedade. Entretanto, o discurso se pauta sobre as necessidades de preservação de recursos que possam tornar inviável o futuro da civilização.

Esse discurso é também subsidiado pelo alto nível científico que difere das abordagens iniciais sobre o meio ambiente ainda nos anos 60 e 70, e envolve direta ou indiretamente uma gama monumental de profissionais das mais variadas áreas.

Ao utilizar a ciência, o discurso da preservação ambiental e irradiado para o mundo, centraliza o homem como principal elemento dos desequilíbrios do ecossistema, ainda que haja um componente substancial de que a vida como se conhece ao redor do globo só é passível de continuação devido a forma que o mundo exibe em determinadas áreas.

O trabalho de dominação das necessidades humanas frente a natureza tem sido cada vez mais relevante para sustentar as bases do capitalismo e dos recursos que tendem a se tornarem cada vez mais escassos, pois o seu gerenciamento (quando isso é possível), vai ficando mais e mais oneroso.

A partir disso, os conglomerados empresariais de atuação global passaram a identificar, não apenas para o cumprimento de legislações, que a gestão sobre a natureza é por conseqüência uma gestão de poder.

Este texto levanta algumas dessas premissas de se tentar normatizar a natureza através dos processos de produção do capitalismo mediante o uso da ISO 14001 e que em paralelo, tornou-se uma moeda de valorização daquilo que se produz, sendo considerado como politicamente correto para o consumo.

2. A CIÊNCIA NO CONHECIMENTO AMBIENTAL MODERNO

O conhecimento da questão ambiental tornou-se difundido entre as décadas de 60 e 70, através de uma visão ‘malthusiana’ da forma de uso dos recursos naturais. Ou seja, o crescimento populacional impulsiona cada vez mais o uso de recursos do planeta sem qualquer perspectiva de redução. Entretanto, em paralelo, o discurso extraído remete a realização de análises mais profundas sobre o meio ambiente. Há principalmente elementos sociais e científicos pouco abordados quando tal assunto passa a se tornar recorrente.

Uma das razões está no próprio estabelecimento de métodos com a inserção da ciência onde são construídos os apoios técnicos e políticos para que os países desenvolvidos possam de alguma forma influenciar as nações, que buscam atingir as mesmas possibilidades de crescimento econômico, a fazê-lo de forma diferenciada.


Dentro da esfera capitalista, a natureza a ser preservada é meramente seccionada de forma a existir um processo seletivo de onde, como e quando, o recurso natural precisa ser utilizado. A acumulação capitalista transforma, portanto, segundo LEFF (2001) os elementos naturais em ferramentas ou objetos cognoscíveis. Para isso, é a ciência que auxilia a sociedade, e os detentores dos conhecimentos mais avançados a dar um papel econômico e também social a natureza. Os ecossistemas presentes em qualquer parte do mundo tornam-se um campo fértil para que várias modalidades de conhecimentos sejam aproveitadas para a compreensão e exploração ambiental:

A reprodução do capital não pode integrar-se ao objeto da ecologia. Por isso, o estudo da transformação dos ecossistemas implica a articulação dos efeitos do modo de produção sobre os efeitos naturais e biológicos provenientes da estrutura funcional de cada ecossistema. (LEFF, 2001, p.33)

A esse fato, geram-se grandes movimentos das problemáticas ambientais das civilizações modernas concretizando-se nos conceitos de qualidade do meio ambiente, os licenciamentos e o papel da educação ambiental, este último em muitas vezes assumindo conotação de compensação do que efetivamente cumprindo sua diretriz ideológica.

A racionalidade capitalista então se sobrepõe, por assim dizer, a racionalidade ambiental. Isso porque a primeira com o uso de técnicas instrumentais consegue manipular a visão concreta do cotidiano das sociedades utilizando-se de formas de produtividade e eficiência nos processos que lhe são peculiares. Ou seja, uma vez determinando maneiras mais eficazes de produção, a natureza está sendo preservada em prol do bem estar populacional.

3. OS PROBLEMAS AMBIENTAIS ATUAIS E SUA PERSPECTIVA SOCIAL

Os problemas ambientais hoje suscitam cada vez mais soluções com elevados índices tecnológicos e cujos custos algumas vezes parecem demonstrar pouco interesse em um uso maciço.

Para um quadro ainda mais desgastante, o enfrentamento nessa esfera se tornou pública em um claro comportamento de embate entre as nações ricas e as que estão em desenvolvimento. Aos primeiros, principalmente os norte americanos, a questão ambiental embora tenha ocupado o palanque da última eleição presidencial, não foi determinante para que as discussões em prol de formas de preservação através dos protocolos internacionais pudessem ser relevadas. Já a sociedade chinesa, cuja economia encontra-se em franca expansão a alguns anos, é hoje o maior consumidor de matérias-primas em escala mundial, não se importando onde e quanto custará.

Há em paralelo, novas vertentes sobre os problemas ambientais agora focados naqueles cuja tecnologia humana não consegue ser bem sucedida. As mudanças de ordem climáticas e geológicas testemunhadas principalmente nesse século colocam em alguns momentos os problemas ambientais das sociedades em segundo plano, devido a sua magnitude e o tempo de recuperação na criação (ou destruição) do ambiente. Mais do que isso, a concentração humana hoje em zonas urbanas clarificou outra problemática que diz respeito a questão ambiental. Um dos argumentos é que por se caracterizar como fonte de acumulação capitalista, os centros urbanos são hoje, os que apresentam maiores demandas de recursos naturais. E o mais grave é que grande parte desses recursos estão exauridos ou com elevados índices de poluição dentro das grandes cidades. Grandes partes do mundo hoje possuem meramente a função de sustentar a vida onde há o mercado capital das metrópoles.

Essa dinâmica social de exploração dos recursos naturais esbarra do ponto de vista ambiental, na própria essência da natureza. A mudança da superfície terrestre é continua, e sua formação atual, ainda que a terra tenha levado milhões de anos para fornecer certa estabilidade à vida humana, é capaz de mudar em questão de segundos ou dias (terremotos, maremotos, entre outras catástrofes). Com isso, PEDRÃO (2002) afirma que:

“O principal fator limitante do ajuste ambiental é o dinamismo da própria natureza, que impõe restrições decisivas, durante períodos longos ou abruptamente, em escalas que às vezes podem ser contornadas, ou em escalas que não dão lugar a adaptações. Os nórdicos foram expulsos da Groenlândia pelo frio, assim como o frio contribuiu para que os povos da Ásia Central invadissem a Europa. A aridez regulou as invasões dos povos do norte do México na parte central daquele país. Mas os povos andinos os japoneses e os povos da Ásia Menor têm conseguido conviver com o vulcanismo. A adaptação ao meio físico depende da magnitude da população, isto é, da carga representada pela população nos sistemas de recursos, e das tecnologias que são usadas para produzir e consumir.”

Além da mudança nas formas e distribuição da população pela superfície terrestre, socialmente criou-se o estigma de que os problemas ambientais comumente só podem estar associados aos aspectos do crescimento econômico e na concreta realidade de industrialização que muitas vezes opera em condições cada vez mais afastadas do mercado consumidor, mas estão sustentadas por uma rede global eficiente de transportes.

Por outro lado, existem condições ambientais de graves repercussões e que foram socialmente construídos com o estabelecimento das contradições do capitalismo. Ao não aproveitar na sua totalidade a mão de obra disponível em um determinado espaço geográfico, o capitalismo provoca condições desiguais de compreensão de uso do recurso natural e sua preservação. Os exemplos mais comuns, principalmente nos países em desenvolvimento, estão associados as ocupações ilegais em áreas de relevante potencial ambiental.
A pobreza torna-se um duplo problema para o homem e para o capital. Para o primeiro, o uso indiscriminado e sem controle do recurso influencia as migrações dessa população, onde se instala o sentimento de sobrevivência a qualquer custo com empregos (quando existem) de baixa qualidade e qualificação. Do outro, para o capital, o aproveitamento do recurso natural pode se tornar impraticável. Um dos grandes exemplos nessa situação tem sido a China que devido a velocidade de consumo dos seus recursos e com exponencial população ávida por se integrar a realidade econômica crescente tem forçado este país a procurar mais e mais recursos fora do seu território.

O declínio cada vez mais avançado de recursos naturais vem direcionando algumas tentativas baseadas em técnicas científicas cartesianas de que a gestão desses recursos está sempre passível de controle ou melhorias. Ao enfrentar, principalmente nos países mais desenvolvidos, uma resistência significativa da população que se beneficia globalmente, de condições ambientais pouco favoráveis (para não se dizer que seriam até mesmo inaceitáveis nos países de onde são originadas essas empresas), os grandes empreendimentos precisaram de alguma forma se ajustar a princípios de manutenção de uma qualidade ambiental.

Aqui se estabelece uma grande ilusão socialmente construída em que as práticas ambientalmente corretas por estarem de acordo com a lei representam um quadro de qualidade ambiental aceitável para as civilizações. A gestão ambiental diz respeito ao manuseio da natureza e dos seus recursos sob uma ótica de longo prazo. É preciso conciliar uma forma de manter o consumo de pé com maior eficiência possível e teoricamente, menor impacto ambiental, enquanto a tecnologia ainda não consegue estabelecer renovações na mesma velocidade.
É a partir disso, com o esgotamento dos seus biomas e ecossistemas, que o embate ambiental passa a fazer parte do jogo político, social e cultural. A sustentabilidade, palavra em voga nos últimos 20 anos, é a bandeira de um dilema em que de um lado da balança estão os que detêm o poder sobre a natureza de como e quando explorá-la, e do outro, a civilização que termina por acreditar que o recurso poder ser sim, não mais finito, mas apoiado em tecnologia, infinito.

Ao enxergar a valorização da gestão do meio ambiente como mercado de consumo a ser integrada aos produtos, a indústria consolida, principalmente através das multinacionais, os caminhos de aceitação de uma mercadoria ambientalmente responsável ou o capitalismo na sua essência “positiva”. Para fundamentar e apoiar essa estratégia com as necessidades das grandes empresas que passaram a ter legislações e políticas diferenciadas construídas ao longo dos anos, e que precisam ser cumpridas, gerou-se a normatização ambiental dos processos de produção ou a ISO 14001.

4. GERENCIANDO A NATUREZA: CONTRADIÇÕES AMBIENTAIS ATRAVÉS DA ISO 14001

A Norma 14001 deriva de certa forma, dos trabalhos concebidos pela International Organization for Standardization (ISO), principalmente na concepção das Normas 9001 que dizem respeito à qualidade. O objetivo final é padronizar a troca de mercadorias e de desenvolvimento de atividades em várias partes do globo, mas obviamente, a padronização tende a seguir as normativas adotadas pelos países centrais e em teoria, de maneira ‘voluntária’.

Dois paradigmas influenciaram a gestão e padronização de métodos para que a ISO 14001 pudesse ser adotada. Um diz respeito a uma preocupação socioambiental, coincidentemente impulsionada pelos países desenvolvidos. Em um segundo momento, os grandes conflitos na seara econômica mundial através do comércio entre países.

A essa realidade para as partes produtivas (empresas) soma-se a crescente atenção de vários organismos, esferas da sociedade e instituições sobre o futuro da qualidade ambiental. A temática ambiental passa a ganhar uma notoriedade elevada, principalmente por ser a atividade humana e industrial, o grande catalisador das mudanças espaciais no planeta, dentre elas as modificações climáticas e os produtos ou passivos que permanecem por décadas sem uma solução aparente.

Segundo MILES e COVIN (2000) tal movimento impulsiona as empresas a captarem o sentido dessas novas prerrogativas intitulando a atividade como sustentável e possibilitando, com o uso de tecnologias, eliminar produtos e disponibilizando outros melhores ambientalmente. 

A rapidez com que muitas empresas criaram departamentos e diretorias para lidar com questões ambientais foi em grande para responder as demandas dessas e de outras partes interessadas. As questões ambientais interessam a todos e, conforme o conceito de desenvolvimento sustentável, todos significa os que vivem agora e os que ainda irão nascer. (BARBIERE & CAJAZEIRA, p. 3, 2004)

A grande ilusão, contudo, é que as cadeias globais de produção que usam mão de obra de inúmeras partes do mundo, onde podem existir inclusive distorções magníficas de importância ambiental entre nações, não permitem ao consumidor final testemunhar até onde começa o correto e errado ambientalmente. Em alguns anos, passou-se de uma indústria que supria, essencialmente, suas necessidades domésticas a uma China que se tornou a manufatura mundial de inúmeros bens de consumo (...). Esse “despertar do dragão” envolve vários danos colaterais, até então desconhecidos na China (...). Dezesseis das vinte cidades mais poluídas do planeta são chinesas. (LUCOTTE, p. 2-3, 2006)

Uma das críticas mais contumazes a gestão ambiental através da norma 14001 refere-se ao seu alto custo de implantação. E por estar atrelada a uma modificação de modalidade da vida humana com o consumo capitalista, existe portanto um grande jogo direcionado pelas empresas multinacionais que podem determinar os conceitos e a relação com o meio ambiente através da cadeia de fornecedores. Quando empresas como Vale, Petrobras, Dow, Chevron, entre outras condicionam o seu atendimento através da terceirização obedecendo as diretrizes da ISO 14001, mais do que a valorização ambiental do seu produto, tais empresas conseguem gerenciar a cadeia do recurso natural e o seu uso e por isso, também atrelam essa imagem ao seu preço.

Outra contradição do sistema de gestão ambiental se dá nas diferenças de políticas e legislações entre os países. A existência de fragilidades ambientais, em prol da absorção de atividades cujos impactos nos ecossistemas locais ou mesmo mundiais, através das leis torna a normatização passível de contestação. Uma das suas bases diz respeito ao atendimento aos chamados requisitos legais. Mas a questão ambiental na história das civilizações foi construída de formas desiguais e por isso, atender tão somente leis de um determinado país não signifique eficiência da gestão. Há igualdade nas leis ambientais entre China e Brasil? Não se transfere nesse ponto a degradação ambiental inaceitável nos Estados Unidos para alguma região remota da Índia, China ou África?

Mas ao obter certificação para o seu SGA as empresas desses países estariam protegidas de barreiras e com melhores condições de competitividade. Desse modo, a norma não contribuiria para resolver os problemas de harmonização já comentados, ao contrário, daria alento aos processos de deslocamento da produção para os países condescendentes com a degradação ambiental. (BARBIERE & CAJAZEIRA, p. 10, 2004)

O objetivo de uma padronização de práticas ambientais voluntárias em escala global com base no mercado como se pode imaginar através da Norma 14001 parece ser utópico. A gestão dos recursos naturais está condicionada ao tamanho e atuação de cada empresa no nicho em que ela ocupa. Alguns desses recursos acabam incorporando tamanha importância na vida moderna na medida em que o seu uso se distribui pelas mais variadas formas econômicas tornando quase impossível gerir adequadamente devido ao seu custo sempre vertical: 

A integração dos usos de combustíveis em torno de um único energético decidiu pelo principal efeito ambiental da formação do capital, que passou a depender de uma composição técnica dependente do desenho técnico destinado a otimizar os usos do combustível. O alargamento da cadeia produtiva a partir da industrialização desse combustível introduz uma outra variante, que é a comparação entre a otimização do energético como combustível ou como matéria prima industrial. Assim, tanto como o sistema se fixa no padrão tecnológico de um dado combustível ele “cria calos”, isto é, cria custos crescentes para mudar de seqüência tecnológica, tornando mais difícil qualquer mudança de rumo. (PEDRÃO, p. 4, 2002)

Outra implicação contraditória da gestão ambiental diz respeito ao alcance das ações colocadas em práticas. Um dos casos mais conhecidos está relacionado aos problemas de resíduos decorrentes das formas de produção, que tentam a todo custo empurrar as soluções para ações de reciclagem, mas esbarram na cadeia de aproveitamento desses materiais que são em sua grande parte fragmentadas e com resultados pouco substanciais. A falta de política pública para regular o setor e envolver toda a sociedade inexiste. Em muitas ocasiões, a reciclagem do ponto de vista econômico não se mostra viável. Para outros tipos de resíduos, principalmente os perigosos, seu descarte implica no uso de soluções caras e que terminam por impactar de uma forma ou de outra no ambiente.

5. CONCLUSÕES

As gestões ambientais tem sistematicamente procurado atingir a eficiência de controle da natureza para os meios de produção industriais na medida em que transforma o discurso sobre o meio ambiente uma nova modalidade de mercadoria.

A concretização desses efeitos através de Normas como a ISO 14001 estabelecem não apenas instrumentos de poder para os que usufruem dos recursos naturais para o sistema capitalista, principalmente aqueles cuja vida produtiva tende a ser mais curta (não-renovável), e que leva a grandes dependências industriais.

Em paralelo, a ISO 14001 se traduz como uma política direta de influência notável em escala global para as multinacionais que aos poucos transferem suas maneiras de agir e gerir as diferenças e conflitos entre a sociedade e a negociações entre países determinado assim.

Torna-se também uma moeda de forte apelo cultural. A medida em que cresce a sujeição da sociedade ao tema, a adesão ao mecanismo de gestão ambiental auxilia as grandes empresas a intervir dentro da sua produção, alterando com a inclusão tecnológica, novas modalidades de exploração do capital em produtos “ecologicamente” corretos.

Enquanto o sistema cresce (e precisa estar em crescimento para sua sobrevivência) na mesma proporção da demanda pelo consumo, o esgotamento dos recursos naturais é inevitável. E até mesmo as prerrogativas relativas a gestão ambiental, não conseguem dar conta na busca de uma solução final, pois o conceito de sustentabilidade que embasa a Norma 14001, não consegue atingir ou refletir sobre os desequilíbrios e contradições da base (capitalismo) que a alimenta.



6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABNT. ISO 14001:2004 27 págs.

BARBIERI, J & CAJAZEIRA, J. A Nova Norma ISO 14001: Atendendo à Demanda das Partes Interessadas. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 2004. 17p.

LEFF, Enrique. Epistemologia Ambiental. São Paulo, Ed. Cortez, 2001.

LUCOTTE, Marc. A China e o Meio Ambiente: Uma Peça em Quatro Atos (Tragédia ou Comédia?). Revista de Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente. SENAC, São Paulo, 2006.

MILES, M. P.; COVIN, J. G. Environmental marketing: a source of reputacional, competitive and financial advantage. 2000

PEDRÃO, Fernando. A sustentabilidade social e ambiental. Revista de Desenvolvimento Econômico, Salvador, Julho, 2002.